Um Universo que se divide sem cessar em infinitos
outros mundos. Um planeta dotado de vida, cujos habitantes são escravos de seus
genes e um dia serão imortais, fazendo parte de máquinas mais inteligentes do
que eles. Eis algumas das hipóteses que perturbam o senso comum e desafiam a
própria ciência enquanto esperam o julgamento.
No século XVII, era preciso ter boa dose de imaginação e mente aberta a deias
novas, por mais anticonvencionais que fossem, para aceitar que a Terra girava
ao redor do Sol e não o contrário. Os mesmos predicados eram necessários no
século passado para que se começasse a desconfiar da existência de organismos
ainda menores do que as bactérias, os vírus. Neste século, especialmente nos
últimos quarenta anos, as ciências se expandiram tanto e em tantas direções que
apenas imaginação e mente aberta não parecem bastar para receber com o devido
respeito as elucubrações científicas que a toda hora vêm contradizer verdades
aceitas. Isso porque, freqüentemente, as novidades oferecidas pelos cientistas
tendem a lidar com conceitos e acontecimentos cada vez mais distantes não só da
experiência cotidiana como também dos horizontes intelectuais das pessoas
leigas.
Como encarar, por exemplo, a idéia de que o Universo pode possuir uma brecha no
espaço e tempo semelhante a um buraco aberto por um verme na polpa de uma fruta?
Ou que toda matéria orgânica seria dotada de uma espécie de memória que Ihe
permite assumir a sua forma específica? Ou ainda que a Terra é um gigantesco
ser vivo, que controla os entes que a habitam? Dez dessas teorias são
apresentadas nestas páginas. Elas têm em comum, além da aparente
excentricidade, o fato de não haverem ainda vencido cabalmente o desafio da
demonstração: só o futuro dirá se de fato desencadearam as revoluções
científicas que prometiam ou não passaram de lamentáveis enganos. Instigantes
como são, em todo caso, e por trazerem as assinaturas de pesquisadores profissionais
ligados quase sempre a boas casas do ramo, merecem ser apreciadas com
imaginação e mente aberta até porque, como já foi dito, se a realidade fosse
apenas aquilo que aparenta ser, a ciência seria desnecessária.
1 Teorema de Bell
"Quem
não estiver preocupado com o teorema de Bell é porque tem uma pedra no lugar do
cérebro", afirmou certa vez, maldosamente, a renomada revista científica
Physics Today. "Quem", no caso, não seria um mortal comum, preocupado
com as trivialidades do mundo aparente, mas algum desbravador dos rarefeitos
territórios da Física de Partículas, alguém familiarizado, por exemplo, com o
chamado Paradoxo de Einstein - Podolsky-Rosen, ou EPR. Trata-se do mortífero
torpedo intelectual armado em 1935 por Einstein e seus colegas Boris Podolsky e
Nathan Rosen para pôr a pique o polêmico Princípio da Incerteza, formulado oito
anos antes pelo alemão Werner Heisenberg e que constitui um dos fundamentos da
Mecânica Quântica. Tal princípio afirma a primazia do acaso na ordem universal;
contra ela o mesmo Einstein comentou com sarcasmo que "Deus não joga
dados".
Ao
contrário da Relatividade, a teoria quântica sustenta que a mera observação de
um fenômeno pode afetar o dito fenômeno pelo menos no plano subatômico. Ou seja, a ciência não pode garantir que algo aconteceu efetivamente;
apenas pode dizer que existe a probabilidade de algo ter acontecido. Pois bem.
Reduzida aos seus termos mais simples, a armadilha montada pela trinca de
físicos antiquânticos consistiu em enunciar que a medição de uma partícula
jamais poderia afetar outra partícula gêmea que estivesse a anos-luz de
distância, pois nada pode viajar mais depressa do que a luz.
Mas,
se a Mecânica Quântica estivesse certa, ao mudar o movimento de rotação interna
(spin) de uma partícula pertencente a um sistema de duas partículas idênticas,
sua irmã gêmea seria afetada, estivesse onde estivesse. Em 1964, o físico
americano John Bell, trabalhando no CERN de Genebra, atual Laboratório Europeu
de Física de Partículas, construiu a base teórica para se testar
experimentalmente o paradoxo EPR. Ele desenvolveu uma fórmula matemática que
ficou conhecida como a Desigualdade de Bell, por expressar a diferença entre a
teoria quântica e a Relatividade. O resto foi uma questão de tempo. Em 1982, de
fato, os resultados de uma experiência com partículas de luz, conduzida pelo
francês Alain Aspect, da Universidade de Paris, permitiram concluir que os
quânticos afinal estavam com a razão provavelmente.
2
Hipótese Gaia
O
planeta Terra está vivo e pode regular a sua geologia, o seu clima e os seres
que o habitam. Esta é a essência da Hipótese Gaia, exposta pela primeira vez há
quase vinte anos pelo biólogo inglês James Lovelock e considerada atualmente a
Bíblia dos ecologistas. Parece estranho à primeira vista que uma bola de rocha
fundida, flutuando em algum ponto da Via Láctea, esteja viva e dotada de um
mecanismo auto-regulador. Mas Lovelock, um estudioso de várias disciplinas que
já foi consultor da NASA, compara o planeta a uma árvore gigante, com 99 por
cento de madeira morta, e apenas uma fina película de tecido vivo sobre a
superfície.
Segundo
a teoria de Lovelock, que recebeu o nome de Gaia em homenagem à deusa grega que
designa a Terra, os seres que povoam o planeta se encarregam de produzir dióxido
de carbono e outros gases que mantêm a temperatura de sua superfície. São esses
mesmos seres que regulam a turbulenta e instável mistura gasosa da atmosfera,
ao utilizá-la ao mesmo tempo como fonte de matéria-prima e depósito de
materiais que não necessitam. Lovelock afirma, por exemplo, que um dos fatores
de equilíbrio do planeta são as florestas, que, ao causar seus próprios
incêndios, mantêm a taxa de oxigênio do ar e assim se auto-renovam.
Se
a concentração de oxigênio na atmosfera fosse de 30 por cento em vez dos 21 por
cento normais, especula o biólogo, os incêndios florestais seriam devastadores.
Se, ao contrário, a taxa fosse só de 12 por cento, não haveria incêndios e as
florestas acabariam. Qual o papel do homem nesse eterno jogo de xadrez entre a
vida e o ambiente? Para Lovelock, o ser humano, parte desse sistema, contribui
ao ajuste do equilíbrio terrestre. Mas, adverte, à medida que o homem o altera
e prejudica o ecossistema da Terra, ela própria se encarregará de eliminá-lo.
Isso lembra inevitavelmente a teoria da mão invisível do mercado, tão cara aos
economistas liberais clássicos. Segundo eles, o mercado tende por si só a
regular os interesses conflitantes de vendedores e compradores de bens e
serviços de modo a manter o sistema em permanente equilíbrio. Existiria também
a mão invisível da natureza? Ler mais...